
A interrupção voluntária da gravidez arrepia-me.
Arrepia-me porque significa por termo a uma vida. E não me venham dizer que ela não existe, porque eu já a vi. Às sete semanas de gestação estava lá. Pulsante, ritmada numa cadencia de batimentos certos, apressados, humanos, fetais.
Um Estado simplesmente demissionário no que concerne a apoio social, planeamento familiar e acompanhamento médico, vem agora com a solução mágica: despenalizar!.
E eis que se faz luz: Os nossos serviços de saúde, sempre tão céleres, sempre tão aptos, sempre tão ágeis, sempre tão cordiais com os seus pacientes, sempre tão acolhedores, sempre tão libertos, vão dar resposta às IVG até às 10 semanas.
O Estado que encerra maternidades por falta de obstetras e pediatras, coloca-se ao dispor das mulheres, com todo o pessoal médico e toda a organização necessária, para proceder às ivg que lhe sejam solicitadas.
O Estado que doravante irá cobrar 5 euros diários, situação que significa cerca de 150 euros mensais ( vulgar em inúmeros internamentos), possui, segundo ele, a capacidade para responder, de forma célere e profissional a todas as ivg que lhe apareçam.
O mesmo Estado que não responde a necessidades sociais prementes tipo ajuda a pessoas portadoras de deficiência física/ mental, crianças vitimas de abuso/ órfãos/ abandonados/ etc, etc, etc, terceira idade, exclusão social (erradicação de barracas), construção e apetrechamento escolar/ construção de creches, planeamento familiar, a nível nacional, com fornecimento gratuito de meios contraceptivos, etc, etc, vem agora, como que por milagre, perguntar ao cidadão se este pretende ver plasmada na lei a despenalização do aborto...
O aborto arrepia-me. Pelo choque que é saber que muitas ( nem todas) que a ele recorrem, o fazem por não terem de facto outra solução. Por saber que o farão em condições miseráveis, por saber a hipocrisia que é o facto de o aborto ser penalizado, por não entender como se pode julgar alguém que praticou um aborto porque não tinha acesso a meios contraceptivos, por saber que muitas meninas de catorze anos, se estivessem devidamente esclarecidas, não teriam tido um comportamento de risco , por saber que muitas das mulheres que o praticam (ou deverei dizer são sujeitas....?) choram muita lágrima por perceberem que acabaram de matar o filho que carregavam no ventre...por saber que muitas dessas crianças, se tivessem dado o grito da vida, poderiam ter sido felizes, por saber que muitas dessas mulheres desejavam ter tido o filho a quem negaram o direito de nascer.
O aborto é chocante por todos os prismas. Nem sequer vou falar da questão religiosa, pois a Igreja, na minha opinião, deverá, atenta à sua “politica” contraceptiva, estar bem caladinha e envergonhar-se pelos seus ensinamentos. Mas o aborto é por si só chocante.
Porque ao contrário da eutanásia, em que está em jogo apenas a vida daquele que quer a morte, no aborto está em jogo a vida de um terceiro.
Porque a questão da responsabilidade, coloca-se não só à mãe, como ao pai, como a toda a comunidade politica, médica, familiar, social.
Porque a consciência pesará sempre. Porque ele poderia ter sido feliz. Estou certa que poderia ter sido feliz, e nós, todos nós, vamos dar-lhe uma sentença de morte...negar a possibilidade...a mera possibilidade...
Tudo isto me arrepia.
PS: no ultimo referendo, votei sim. No próximo votarei sim. Com um aperto no peito e com a raiva de perceber que vou dar cobertura ao Estado que tanto critico...abrindo portas à sua mediocridade, à sua desatenção, à sua letargia, ao seu desafecto...
Creio profundamente que o interesse económico inerente a esta questão é uma causa que muito pesa na nova abordagem desta questão...pelo Governo, leia-se.