Tuesday, July 13, 2004

Quotidiano


kate moss Posted by Hello


Repetem-se diariamente os mesmos gestos. Chega uma hora que é só minha.
Muito breve, muito banal, estupidamente repetitiva...mas minha. Posso
deixar-me estar a navegar nos blogs, posso ouvir um pouco de radiohead sem
que o meu parceiro me diga que a musica é demasiadamente deprimente, posso
fazer um zaping furioso pelos 40 ou 50 canais de tv cabo, posso ficar a ver
a MTV e perceber que não conheço quase nenhum dos cantores que lá aparecem,
posso fingir que sei escrever ou que sei pintar, posso ficar simplesmente a
olhar para o vazio sentada no terraço.
Posso ir fazer uma limpeza de pele.
Olho-me ao espelho.
Pensava que com a gravidez iria ganhar um cu imenso daqueles que vejo em
quase todas as mães. Desculpem-me as mães mas não compreendo a razão para o
crescimento desses cús, para esse uso indiscriminado das calças de algodão
coladas ao corpo, das t-shirts pingonas e debutadas, dos imensos sacos
carregados de coisas de bebé que não percebo para que servem. Não fiquei com
um cu imenso, de resto nunca tive um grande cu. Percebo que as mamas também
permanecem iguais e, ao contrário, das vozes das amigas que haviam
(supostamente) amamentado e cujo peito, por essa hipotética razão, havia
descaído, a verdade é que ao fim de reais seis meses de amamentação o peito,
embora com uns números acima, quedou-se na mesma posição que já ostentava
desde os quinze anos. Poupei uns tostões no implante de silicone...
Estou branca como a cal. Pela primeira vez em anos, quase desde que me
conheço, não tive ainda oportunidade de ir à praia. Tão pouco apanhei banhos
de sol no terraço e a piscina que o Luís lá costuma montar tem vindo a
tardar...continua armazenada na casota ( não usada) do cão à espera de um
dia de maior disponibilidade...
Por estar tão alva, são mais visíveis todas as imperfeições de pele: poros
abertos, pontos negros, pelos que teimam em desafiar as máquinas
depiladoras, projectos de varizes...uma pontual celulite. Porra, eu não
tinha qualquer sinal de celulite!
Na cara já se notam uma rugas. Chamam-lhes de expressão para esconder a
verdadeira causa das mesmas. Ora porra, são rugas junto aos olhos,
pequeninas, disfarçáveis com corrector...mas são rugas...
Também tenho olheiras, também não as tinha, mas a multiplicação de noites
sem dormir ou a acordar de duas em duas horas, deixou-me fatalmente estas
duas manchas na parte debaixo dos olhos, as quais, tal como no caso
anterior, também se disfarçam à custa de um creme muito bom da Lâncome.
Quando tinha quinze anos não tinha rugas, nem poros abertos, nem sinal de
celulite, nem pelos teimosos...não tinha este ar mais pesado, tinha o cabelo
brilhante....e quando me olhava no espelho, sem sinais de pinturas e
disfarces, imaginava sempre como seria daí a dez quinze anos...

Sinto-me patética a olhar para mim. Nada de novo neste rosto e ainda assim
alongo-me em encontrar imperfeições. Que crucificação! Vão-me pesando as
pálpebras e , com medo do peso, afasto-me da balança electrónica/ digital
que, felizmente, está invariavelmente avariada.

Tenho sempre revistas no wc. È um vicio que já vem de casa dos meus pais.
Coexistem nesse espaço os boletins da ordem, as protestes, as lux’s ( para
dias mais deprimidos) e as máximas ( para me inteirar das modas...). Há
também revistas de aviões e, felizmente, não há Maxmen. Não obstante, capa
da máxima está uma mulher lindíssima. Deverá ter cerca de um metro e setenta
e cinco, não pesará mais de sessenta quilos, tem longos cabelos castanhos,
olhos de verde mar, corpo de musa. Ostenta um bikini muito fashion assinado
por Dolce e Gabanna. Por detrás dela uma paisagem toda ela feita em azul mar
e coqueiros.
Retorno à minha imagem reflectida no espelho. Hoje sinto-me um caco. Não,
ainda não ando de calça de licra e de t-shirt debotada. Mas hoje sinto-me
assim. O oposto da mulher na capa da máxima, o oposto da mulher que era à
quinze anos atrás. Por cada vez que olho no espelho parecem surgir mais
imperfeições., não sei o que vou vestir amanhã e previamente a escolher
qualquer coisa, deveria tirar o verniz das unhas, repor o verniz das unhas,
lavar e alisar o cabelo e colocar aquele creme maravilha que deixamos actuar
durante três minutos e ficamos com cara de quem regressou de um SPA
Vou esconder a Máxima, vou esconder todos os anúncios da televisão, vou
esconder toda a publicidade da rua, vou tapar os olhos nos centros
comerciais, vou evitar a praia, vou colocar uma venda no Luís. Porque hoje
sinto-me uma merda e porque tenho medo que ele perceba que me sinto assim e
se perca a olhar para as mulheres Dolce e Gabanna que povoam por aí.

Mais valia ter ido logo para a cama.

3 Comments:

Blogger Polly Jean said...

experiencia

7:59 AM  
Blogger Hugo Santos - Portfólio said...

Agora já deu... mas tb estou de saida... inté

10:03 AM  
Blogger Hugo Santos - Portfólio said...

My name is Boss, Hugo Boss.
Tenho um par de formigas encantadoras que trabalham todo o dia só para me entreterem com a sua azafama, a sua maravilhosa sincronia laboral, labuta, labuta, lindos os bichinhos pequeninos, pretinho e magricelas.
Tenho um par de rosas plantadas num vaso de marfim, vermelhinhas, ao rubro, com espinhos macios e petalas de se comer.
Tenho um par de tornozelos com nome africano, o fundungo e o bilongo, ambos bilingues, ambos saudáveis, ambos crentes na industria od calçado, aconchegados por botas Boss, Hugo Boss, pois o inverno pode ser traçoeiro.
Tenho um par de lontras gigantes, gordinhas e fofinhas, meigas o bastante, criaturas de pele de pêssego, amantes do mar e dos pinguins, esculpidas num monte de banha, lindas, lindas, manteiga concentrada em corpos desajeitados fora de água, lisos dentro dela.
Tenho um par de unhas importadas da índia, coisa rara, aparadas cuidadosamente por um hipnotisador de cobras reformado, homem de barba, pele e mente rijas.
Tenho um par de navios naufragados ao longo do cabo bujador, senhores das profundesas, controlam o tráfego de sereias das correntes frias, e servem de morada aos peixes desamparados de outras águas.
Tenho um par de neurónios que discutem entre si a todo o tempo e me fazem perceber que tudo o que possuo é uma ilusão, como um senhor uma vez disse, qualquer coisas a ver com cavernas... morcegos.. (seria?).
Tenho um par de mão malandras. Escrevem e escrevem mas nunca dizem nada. Será por não terem boca?
Tenho um par de amigos que se estende a mais dedos quando os conto e dos quais me recordo porque deles tenho coisas, mesmo que vagas memórias como as minhas formigas, tornozelos, rosas e outras imagens arco-íris.
Plín!

2:33 AM  

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