Thursday, July 29, 2004

Ainda a fotografia

A propósito do comentário do meu amigo Hugo, relativo à fotografia de Sebastião Salgado...
É a estética presente na referida foto que causa o impacto. Não é apenas a figura da criança decrépita, vazia, quase morta. É a sua semelhança com a árvore em pano de fundo, é o posicionamento das figuras, é a envolvente paisagística, fria de tão quente, abandonada, vazia. É um todo que constrói essa imagem crua, minimalisticamente colocada e captada.

Num outro ponto, e do que me conheces sabes bem o quanto enfatizo o outro lado da realidade. Como dizes, porque a realidade são fraldas, sorrisos das crianças, mulheres grávidas, praias e jogos, cães e gatos, passarinhos nos bosques, gente que se ama, gente que nasce, gente que realiza, arte musica e tudo mais que nos faz felizes e nos leva a acreditar que vale a pena viver e lutar.
O que choca, é que esta criança não pode ser como as outras, a esta criança foi retirada a infância, o lego, o pão, o carinho, o conforto, o riso e o corpo!
O que choca é a desigualdade, é a indiferença de todos nós. Nós tão cheios de questões mesquinhas como o Paulo Portas, o Louçã ou o Durão. Quero lá saber do penteado do Santana e o túnel do Marquês! O Que eu queria é que fossemos capazes de um dia mudarmos o rumo das coisas...destas e de tantas outras.

9 Comments:

Blogger Hugo Santos - Portfólio said...

Claro que concordo.

(tens dado uma saltada ao meu blog?)

3:42 AM  
Anonymous Anonymous said...

amiga, hoje foste tu que me emocionaste ás lágrimas com a magnifica foto que escolheste para o teu post, com este texto.
por vezes somos apanhados e esmagados pela realidade que está tão além de nós que nos facilita esta vida tão "ausente" que vamos levando.
mas o facto é que ela existe e dela também fazemos parte.
deviamos ter consciência dela diariamente aquando das minimas decisões que tomamos ou que nos abstemos de tomar por acharmos desnecessário o esforço.
mas também existe bem pertinho de nós uma realidade...
parabéns pelo post, beijocas M&M.

5:43 AM  
Blogger Hugo Santos - Portfólio said...

Continuo a achar que deveria bastar unica e simplesmente a imagem da criança para nos abatermos perante as fragilidades do ser humano e não a envolvência poética. Sabes que gosto de poesia, mas não assim.

"Não é apenas a figura da criança decrépita, vazia, quase morta"
APENAS?

percebes o que quero dizer Sonia??

6:27 AM  
Blogger Polly Jean said...

Percebes bem o sentido do meu "apenas" no contexto.
Além do mais percebes também a diferente forma de olhar a arte, por isso mesmo é a arte das coisas que mais diveregentes opiniões origina.
E aqui reunem-se duas e um milhar de coisas...arte e essa tal dor de que falei. Apenas refiro estas.apENAS.

6:39 AM  
Blogger Hugo Santos - Portfólio said...

Sim. É claro que percebo isso acerca das diferentes interpretações da arte... para além de viver isso, estudei isso.

Basicamente, o que queria pensar em conjunto contigo é esta questão de ser ou não válido fazer destas imagens arte, se é válido olharmos para elas como o fotógrafo olhou, se é válido representar assim isto. Eu percebi o teu apenas mas quis e quero questionar porque é que ele aparece. Porque pediste desculpa quando puseste a imagem no blog? Será que o fotógrafo tb pede desculpa quando mostra a foto? Porque se pede desculpa? A quem se pede desculpa? À vítima? A nós próprios? Aos que vão ver a imagem? Ou ao ser humano? Ou à incapacidade de sermos perfeitos?

Por exemplo, falei-te na questão da Benetton mas não referiste nada acerca dela. As coisas que ela envolve. A problemática acerca do papel social que essas fotos fazem ao memso tempo que servem para gerar riqueza que não sabemos se é bem empregue. O dinheiro não é uma coisa má. O que é mau é o que fazemos com ele. O dinheiro é enegia que necessita de ser canalizada. Mas já estou a falar de dinheiro... porque será?

Não quero que penses que discordo contigo. Penso ter pontos a acrescentar, o que é bem diferente de discordar. Quando se vai num barco há quem reme de um lado e quem reme do outro, querendo ambos que o barco chegue a bom porto.

Sim, sou das artes, e questiono o que é isto de fazer arte, de dizer arte, de viver arte. Todos somos artistas no sentido em que a arte é intrinseca ao ser humano, e todos somos seres humanos. O que custa é perceber essa relação.

Relativamente à interpretação, pois parece que não estava a dar espaço a que esta existisse, devo dizer que não me preocupo que interpretes de outra forma mas, mais do que isso, perceber e questionar a forma como se chegou lá. Era isso que pretendia. Perceber bem os mecanismos que nos levam a aceitar como válida uma imagem a preto e branco, enquandrada (no sentido de composição), com as tonalidades todas certinhas, um branco que não deixa ver a diferença entre o céu e a terra, (e podia continuar por aqui fora a dicertar acerca dos valores estéticos da foto, mas não é isso que aqui interessa).

Se estou a ser chato é apenas por uma boa causa: perceber melhor tudo isto. Não quero impor a minha ideia, mas melhorá-la, e por isso a partilho contigo.

7:31 AM  
Blogger Polly Jean said...

Não tenho formação alguma em arte a não ser aquela, imprescindível que é passar pela vida e saber olhá-la. A arte, na minha humilde opinião, a arte tal como a sinto, é o que me faz sentir. Olhar um quadro e degustá-lo, ser remetida para cenários, esquecer até a técnica e atender apenas ao que decorre da imagem...o suscitar, o fazer pensar, o arrepiar.
Não gostava de Monet, até que, felizarda fui ao MOMA e me deparei com MONET. Apeteceu-me estar entre os nenúfares. Gostei. Senti.
Olho para Dalí e sinto. Doutra forma. Mas Sinto.
Olho para Miró e também sinto. Porque há uma mão de criança a guiar cada asterisco. Porque eu não saberia ter colocado aquele asterisco naquele preciso local. Sinto.
José de Guimarães. Sorte pude ter um. Está lá. Na sala. Enche-a de cor. Vejo-me lá, com o meu Luís e com o meu cão. Parece que não é nada disso que está lá. Mas é o que vejo. E todos os dias Sinto.
Benetton. Choca, se choca. Fotografia aliada a moda, marketing, venda. Vende. Porque todos nos quedamos. Olhamos e sentimos.
Sebastião salgado. Com ou sem enquadramento. Crianças ou velhos. Exodo ou trabalho. Com ou sem moldura. Compro-o frenéticamente. E ao lado de cada fotografia guardo ainda na memória, um titulo e um poema. Um dia irei escrever. Ao lado de cada uma. Porque sinto.
Musica. Que me interessa se é bach, pearl jeam ou da weasel? Embalo. Sorriu ou danço. Sinto.
Peço desculpa pela foto, por um único motivo. Porque faz sentir. Apenas por isso porque se fosse uma fotografia neutra nem um comentário suscitaria. Seria apenas mais uma. Secalhar sem arte.

8:06 AM  
Blogger Tiago said...

Bem, eu gosto muito das fotos do Sebastão Salgado. Ele é um excelente fotógrafo. Essa foto está excelente. E analisaste-a muito bem ;) . Beijocas.

10:35 AM  
Blogger Hugo Santos - Portfólio said...

Numa linguagem que bem conheces: I rest my case.

2:24 AM  
Blogger SK said...

Eu cá, como tipo mais chegado á esquerda e muitas vezes acusado de não ver a dita realidade nua e crua, aproveito a temática apenas para reforçar a ideia de que nad no mundo pode justificar algo como aquilo que é mostrado pela magnífica foto de S. Salgado.
O problema do mundo são, e serão sempre, os exageros. A ambição não é má, é o desejo de esmagamento que a torna o cancro inexpugnável de um umundo moribundo.
Querem um exemplo?
As facções politicas que pugnam pela ausência de direitos laborais ou do (interventivo)modelo social europeu, são os mesmos que vêm posteriormente defender a vida e preocupar-se com as descrescentes taxas de natalidade. Ou seja, aqueles que criam as piores condições para a manutenção de famílias ou laços interpessoais, são os que vertem as mesams lágrimas de crocodilo pelo desaparecimento das famílias ditas nucleares.
Porque raios é que se existem filtros anti-poluentes, os mesmos não são instalados?
Como é que há gente que ainda defende benefícios de qualquer colonização que seja?
Porque é que se permite que empresas petrolíferas operem com maquinaria deficiente e decrépita?
Como é que alguém pode defender o afastamento de todos os centros produtivos para países onde a mão de obra pouco escapa á escravatura, com o argumento falacioso da "competitividade"? - (Quando na Europa ninguém tiver emprego, por mais baratos que sejam os produtos, as pessoas não os vão poder comprar, por isso isto mais me parece um oroboro...)
Cenários como este são feitos da impassividade do modelo economicista da sociedade que criamos. E ninguem defende que haja outra estrutura possível que não a economia de mercado. Mas a regulação tendente ao respeito pelo outro é também uma necessidade, e o economiscismo não pode ser a resposta para tudo, sob pena deste cenário ser incrementado e cada vez mais visível.
No fundo eu não passo de um kantiano com fé na Paz Perpétua, porque de facto é possível ter respeito e solidariedade para com o próximo.

12:44 PM  

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